quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

o que faço sem poesia

Ao amigo poeta Demetrios Galvão e a Academia Onírica


I

O que faço sem poesia,
Quando em mim soa a fúria de um alarido
De um rio tempestuoso penetrando o mar...
O que faço sem poesia
Se a poesia como uma clava, abre minha cabeça com o sol de mil dias...
O que faço sem poesia
Já que não sei calar a voz para ouvir a queda das estrelas,
E de instante em instante minha voz cava a terra molhada
E um punhado de serpentes comovidas dança diante de mim...
Nada! Sem a poesia e sua carnadura...
Sem a poesia e sua esfoladura...
A poesia e sua sangria...
Porque o que compõe a escrita poética,
O que reverbera na escritura,
Acolhe o frio tangencial da tarde em que o sol
Abre trilhas nas nuvens gastas,
E muito além das barbatanas de peixes suicidas,
O que há em nós é um canto de sereia,
Um entorno de raízes e plantas,
Uma semeadura de maças,
Um campo de trigo
Um mormaço no milharal...
O que faço sem poesia
Quando a poesia corteja o meu nome
E se insinua com seus grandes seios
E sua vasta cabeleira.
Porque a poesia como a mulher amada,
Dorme entre os lençóis
(Rumoreja entre caracóis fendidos, peixes acrobatas, monstros marinhos...
Que sem poesia, nada há. Fica o princípio morto, a faina obliterada...)


II

Esquisito e urbanóide,
Fio o traço da cidade em mim...
Ela (com sua massa cinzenta e sua arquipoesia comprimida)
É espaço de mil constelações,
Escadarias e planisférios.
Porque sem poesia a cidade nunca (nuca) será desnudada.
Como um cigarro nos lábios,
Fica a cidade acesa em mim,
Que estou viciado em alturas, sustos e melancolias....
Que mastigo há trinta dias um pedaço sonolento de esperança...
Que não consigo ressuscitar ao terceiro dia...
Que não, que não, que não...
Esquisito e esquizóide,
Dobro esquinas, soletro calçadas e pedras, placas e sinais.
A poesia dorme a cidade e acorda a multidão
Com o cheiro do pão pela manhã e o amargo forte do
Tantas vezes violado encontro das borboletas
Em meio ao massacre de Dante...
A poesia é que me enche o juízo,
Arruma meus livros na estante,
Concerta o dia e brilha como um fundo abissal de um olhar
Que se arvora o direito de não vê tudo...
Com tudo que ando, meus pés afloram como pilhas
De caixas de espanto,
Em que apenas condeno minha próxima face...
Ah, sem poesia poderia me suicidar na próxima hora,
Me filiar à direita,
Esquecer Martin King,
Deixar de sonhar com Ana C. e seu navio ancorado no espaço...
Sem poesia como poderia
Me viciar em saudade,
Escrever cartas suicidas (Drummond),
Planar como o condor no estrelado espaço
Do teu coração,
Ó lonjura desconjuntada
Clareira lunar,
Manhã de sol levante...


III

O que há além da memória, a não ser um mar revolto que não acode socorro, que não se transforma em milagre?
Sem tempo a perder, buscava ansiosamente a ventania entre o corpo e o muro, e apenas o eco exemplar de um grito era base do teu nome...
Poderia terminar o dia imitando outros dias: sem explicação a dar o que nos restava, no entanto, era uma singela metamorfose – o vôo transformado em chão,
A alma arriscada no fio de arame,
A carne fraca entre a força incisiva dos dentes e a o músculo da dor agindo sobre o tempo apuradamente vivido...


IV

Tudo o que eu queria era um poema mastigado, ruminado, bem acabado entre a metáfora e a combustão da palavra...
Mas o que fazer na distancia a não ser sentir o outro longe... Foi assim entre nós,
Porque fui rio serpenteando em busca de teu mar – canal vivido como tonta embarcação...
Nada como um dia à frente do outro...
Tudo a perder a ganhar, porque entre todas as coisas o que me resta é coisa alguma...
Mas o gosto do teu nome é carne de fruta – limão maduro... Tua branca face em sol,
Abrindo em mim uma fuga rápida, passo de janela, cuidado em tocar com os dedos
A pele nada áspera de uma manhã entre açudes e labaredas...
Tudo perdido e tudo encontrado, por isso tenho dúvidas eternas sobre o que comer e o que cavar...
Sobre como correr e onde acordar...
Tenho outras preferências como nadar a seco no rudimentar chão de teu corpo alcantilado
Entre a chuva e o fogo – ó brasa límpida, caldeirão,amor-amasio, como o fio canino de nossas vidas tortas,
Vividas entre copos e legumes, sábados embriagados e solução apenas perenes para coisas tão sublimes...


Francisco Denis Melo (Colaborador, Sobral - CE)

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