quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O CONEGO

Amigo do fogo, escrutinador das estrelas, terno com os peixes, ácido (não se sabe porquê) com os répteis... Perito em ilusões, desafiador do invisível. Corteja o fogo, como já disse. Confidente dos mais sábios porque diz sempre Não. Inventor sublime de palavras e cortesias. Muitos dizem que desde Oscar Wilde, não se viu outro dandi mais virulento. Acalma rajadas de vento, dança pela chuva e amadurece frutos fora da estação. Vocacionado habilmente para a esquisitice, costumava ser visto por horas a fio junto ao tronco de velhas mangueiras, a sussurrar palavras inauditas. Quem já as ouviu, jura por todos os santos que se trata de poesia misturada com libelos, água e sal, areia e mármore, torre elevada, maré alta, lua nova... Ouvir suas palavras é abeberar-se no fundo violento de um mar em chamas, de um amar em chamas... Fala línguas diferentes em dialetos sem tradução, como da vez em que sendo instado a explicar a cheia do Rio Acaraú em plena estiagem ( há nove meses não chovia), falou durante duas horas seguidas e dizem que apenas os cães pararam para ouvi-lo porque compreenderam aquelas palavras abafadas (caninas, quem sabe?)... Ele sabe praticamente de tudo sobre a ignorância. Tendo inclusive escrito um livro de 2.500 páginas sobre o ato de ficar calado diante das perguntas mais tolas e murmurar diante das palavras mais sábias. Amigo da noite, companheiro das estrelas, todas as vezes em que foi preciso, nomeou, uma a uma, todas as estrelas, planetas, sóis, sistemas e buracos negros. Era um brilhante inventor de coisa alguma e tradutor de obscuridades relativas. Mas nada podia contra o TEMPO que sorrateiramente lhe arqueava a espinha e fazia de sua voz um fio tênue de brandura e ironia...


Francisco Dênis Melo (colaborador - Sobral - CE)

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