domingo, 31 de julho de 2011

Somos Todos Artistas

Moro perto de um Mercado Municipal e, todos os dias, depois que cessam as atividades da feira, tenho a mesma visão: além da sujeira natural que fica, ficam bêbados caídos pelas calçadas do Mercado que dormem um sono de pedra, deitados com as pernas retorcidas e a baba escorrendo pela boca, escorrendo pelo rosto junto ao chão.

Já fazem parte da paisagem, como um cachorro de rua, como restos da feira, montes de lixo.

Há quem ainda se admire quando, em vez de um homem, está caída uma mulher que, inevitavelmente, vai ser abusada.

Também há quem se incomode pela violência estética que os bêbados perpetram.

Já os cães, costumam lhes dar atenção por causa do vômito e, às vezes, descobrem, assustados, que estão ao lado de um ser vivo. Tentam nos dizer isso mesmo sabendo que é inútil. Humanos não entendem nada de vômito.

No conto “Um Artista Da Fome”, de Kafka, o personagem é um jejuador profissional a quem o público admira e que passa dessa condição de sucesso ao desprezo das pessoas, isso porque o definhar do artista caminha junto com o definhar de sua arte, a qual torna-se tela ordinária e mesmo desagradável para alguns. Superado o desprezo e a repugnância, vem, enfim, a indiferença, a ponto de o artista ser confundido e soterrado com as palhas que forram sua jaula.

Assim são os bêbados do Mercado. Quando o primeiro homem, por opção, e não por desespero ou desesperança, deitou-se na calçada, imagino que deve ter-se formado uma aglomeração de pessoas admiradas com a cena, sinceramente lamentando ou por mera curiosidade humana que fosse. Mas aquela aglomeração foi diminuindo-se com o tempo e, hoje, os bêbados só encontram quem lhes maldiga o fedor e cães vadios para lhes lamberem as paredes do estômago regurgitadas.


Daniel Ferreira |colaborador| - de livro ainda inédito.

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