quinta-feira, 23 de junho de 2011

o uivo do poeta


Alan Ginzberg, segundo seu pai, poderia ter sido astrólogo de vocação. Sabia conhecer com maestria as fases da lua, as datas dos eclipses, a altura das marés, a ressaca do mar; sabia o melhor dia para cortar os cabelos, plantar sementes, fazer amor... Não resta dúvida de que sua vocação especial o conduzia ao poema e ao infanticídio, por essa razão, talvez, nunca tenha conseguido conviver com seu meio-irmão por parte de pai, este, colecionador inveterado de tampinhas de refrigerantes, escovas de dente, pontas de cigarros recolhidas no porto, e velhas máquinas de escrever oxidadas. Costumava escrever compulsoriamente em velhos cadernos amassados. Quando escrevia, havia quem dissesse que de sua longa cabeleira de fogo, cardumes de peixes como que subiam a correnteza de suas palavras, borboletas volitavam em torno de seus olhos fechados, colibris irrompiam em velocidade sobre o jardim de suas memórias. Cada um de seus poemas abria-se como hélices vorazes. Cada poema margeava uma sensação de ócio e sexo. Era como se a palavra lavrada no verso fosse a pólvora de uma arma quente. Era assim, então, que apontando na cara dos outros seus poemas como facas, que resolveu cursar o último ano de filosofia, escrevendo a tese sobre o veneno das palavras e o abismo das vontades... Havia aprendido, não lembrava com quem, a comer literalmente os poemas escritos. Amassava o papel sem delicadeza, lançava a folha boca a dentro, depois passava sete semanas ruminando o poema, para depois despertar do sono, balbuciando versos e premonições.


Francisco Denis Melo  (colaborador, Sobral - CE)

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