domingo, 15 de maio de 2011

9ª SINFONIA

Quando Chapeuzinho Vermelho percebeu que, insinuando-se por detrás de uma árvore, o Lobo novamente a espreitava, equilibrou cuidadosamente a cesta de guloseimas em seu braço esquerdo e segurou firme o cabo gelado de sua pistola semi-automática. Tão logo o ar quente transpôs as lupinas narinas negras, assinalando o brusco movimento de ataque, há tanto ensaiado, Chapeuzinho desfechou dois tiros secos que fizeram tombar o enorme animal e tornarem-se rubros os opacos olhos amarelos.

Nos lábios doces da branca atiradora, surgiu um sorriso de satisfação que a conduziu corajosamente até o Lobo, mas este, em um salto convulso, lançou-se mata adentro, deixando Chapeuzinho Vermelho tomada de medo, respiração ofegante e olhos nervosos, na certeza do ataque iminente que, entretanto, não aconteceu.

O que aconteceu é que, diante de Chapeuzinho, surgiu uma neblina densa e escura a qual logo se impôs e se espalhou instantaneamente, cobrindo todos os arredores e deixando Chapeuzinho Vermelho completamente imóvel, a não ser pelo tremor do seu rosto e de sua boca semi-aberta de adjetivantes e rosados lábios nus.

Não tão distante dali, o Lobo caiu, sangrando e gemendo entre os espinheiros. Foi assim que Helena o viu: um belo animal, sangrando, dentes à mostra e olhos fugindo, sem forças para rugir. A grande custo reconheceu Helena, respirou fundo, e, entre melancólico e irônico, perguntou:

- Então é isso, Helena?

- Assim são as pessoas, Meu Amor. Sempre evitando conhecerem-se por inteiro. Se pudessem, e quem sabe venham a poder, criariam pílulas para suprimir lembranças, máquinas para inibir emoções e, quem sabe, até divinas verdades ilusórias... Você entende?

- Claro que sim. (Mas gosto de te ouvir). Ademais, há muito que repetem subconscientemente e eu ouço sem saber como reagir. Eles dizem: o Coração Humano é um Lobo Voraz.

- Eu lamento. Desculpe-me se tenho alguma culpa nisso. Muitas vezes fraquejei diante de escolhas contrárias, assim como diante de caminhos bifurcados e, reconheço, ofereci minha alma em troca da antevisão do melhor destino, voltei atrás ou, o que é pior, ocultei os caminhos.

Ao dizer tais palavras, Helena pareceu comover-se, o que tornou ainda menos nítido o ambiente e a fez sacudir a cabeça e fechar com força os olhos como que querendo acordar ou enxergar melhor o Lobo e os vultos que a cercavam. Em uma voz grave, entretanto quase inaudível, o Lobo lhe falou:

- Tudo bem. Mas não há que se maldizer dos caminhos e escolhas. Apenas não se deixe, como a maioria das pessoas, conduzir-se pelo medo. Quando isso ocorre, o que elas fazem? ELAS MATAM O LOBO.

Caminhando com o olhar perdido, e focando caoticamente as coisas, Helena visualizou Chapeuzinho Vermelho, ainda imóvel. Aproximando-se, Helena inocentemente expôs seu rosto à gélida respiração de Chapeuzinho que, abandonando seu olhar catatônico, mirou-lhe uma expressão inquisitiva ao mesmo tempo em que reacendeu seu pretérito sorriso de vitória. Helena afastou-se em movimento indicativo de fuga, mas deu-se conta de que, em verdade, apenas a expressão de Chapeuzinho mudara, permanecendo, de resto, imóvel como antes. Tal impressão deu coragem a Helena, que, em um só golpe, decapitou Chapeuzinho Vermelho com um afiado machado, o qual, nem se dera conta, tinha em mãos.

Com o sol passando brancamente pela vidraça da janela do apartamento, Helena sentiu sob si a maciez da cama. Mas Helena não ligava para a claridade. Ela ouvia sim a Joy emergindo radiante floresta afora: “Regozija-te! Regozija-te!” E, ao longe, o uivo de um Lobo a convidando para um passeio vida afora.


Daniel Ferreira |colaborador|

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