segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Relatório do mundo oposto

Recife: 15/08/09

Contra a falta de pontes que me faz ilha, salto no líquido amarelado da noite em que não conheço o nome das ruas e nem de seus habitantes pardos. Pego uma vereda e desmaio acordado nos anos 60 que não vivi e sinto saudades. No entremeio do frio chuvoso e do calor confortável, ruas se fazem labirintos e deuses bacantes se reúnem em assembléias para saltar fora de seus lugares, pular nos subterrâneos do tempo rumo a algum bar que tenha carnes extremas na entrada. Beco-lugar-nenhum da cidade de 5 séculos onde cada prédio vai ao analista fazer regressão para lembrar quem já morou em seu corpo de compartimentos precisos. Nesse lugar-excremento-mangue os gatos são gurus que tudo vêm, advinham, sonham – andam nas pontas dos dedos sobre as cabeças-HD’s-programadas, memórias frágeis que esquecem o futuro que foi e se reinventam a cada nova moda, drink, boca, taxi. Na cidade dos corações partidos manequins recitam poemas vernaculares, bêbados urinam fractais quânticos nas esquinas circulares e sorrisos esnobes passeiam plenos em seus pedestais. Das mesas amplificadas, fragmentos atemporais escapam dos tilintares dos copos – os deuses marginais seguem suas reuniões em esconderijos dobrados na rugosidade dos musgos. Nova moda blazer dos manequins de coração descartáveis, virtualmente vivos, praticamente mortos. O pajé-xamã-urbano uiva do alto de uma torre de transmissão profanando canais de rádio e TV e os grafismos das velhas paredes acordam e atendem ao chamado – encontro marcado no jardim das orquídeas do amor-tempestade, onde se distribuem chocolates-tsunamis e todos se chupam na tentativa de roubar a imaginação do parceiro. No bar-terreiro os jesuítas-pedófilos dançam o toré, e fotografias acompanham o ritual lá de seus lugares suspensos vendo as novas vidas celebradas com doses de café-radioativo que José Medeiros inventa em seu quarto escuro na extremidade do passado. Nas prateleiras das ruas, doces lábios acenam em manifestações do espírito descarnado. Após lavar a boca das portas, os dejetos-mendigos pegaram carona em excursões pelo interior do sertão de J. Borges e mestre Vitalino a procura da redenção que os programadores visionários anunciaram. No ciclo da natureza mecanizada o fluxo das águas arrancou da letargia os grandes-lábios das estátuas lançando-os no estuário em que se formam clubes de malfeitores e juízes-delirantes jogam suas armadilhas para pegar peixes lilases e pequenos mariscos. No cais, Apolo e Dionísio fazem amor em um encontro de maracatus. Lá onde andarilhos vendem poemas e outros vendem grilos, a mulher magra de capa preta distribui pirulitos-de-olhos-vermelhos para consumo nos pátios da consagração, lugar sem nome ou tatuagem que Pierre Verget fotografou quando recebeu o santo.

Demetrios Galvão

Um comentário:

  1. vai te fuder demetrios galvão... iuhhummmm...legitima poesia-imagem.... do caraaaalho... e como dizem lá no pará: é pai d'égua

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