a língua é um triste molusco
chora um pranto negro e escuro
molusco triste é essa língua
lembra e lambe sua dor fina.
dentro da boca, tal molusco
chora a falta do seu casco.
quer de volta o tempo justo,
voltar pra lenda do passado.
lenda velha, antes da boca
tinha concha e casa, escudo e força.
mas, num mistério da matéria,
perdeu a parte mais eterna.
se fez só língua e se desintegra.
a língua é um triste molusco.
já sem esperança, no escuro,
de reaver seu casco, ter futuro,
resigna-se com riso de chumbo.
como lhe resta ser mesmo língua,
linguagem, motor – sempre e ainda –
é, na boca, pá e palavra:
fala igual como quem cava.
cava com o corpo um liso assoalho:
chão de carnes gêmeas, molhado,
buscando, na cabeça, o antigo casco,
roupa e casa, escudo e agasalho.
a língua é um triste molusco.
já não sabe se é carne ou um soluço.
sem concha, se re-inventa no escuro.
sem cara, existe feito um espectro,
um susto, movimento, um obgesto.
Thiago E.
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