Desafiado
Ele tinha os melhores argumentos: facas agudas e impecáveis. Suspeitei desde sempre que ele as limpava a noite inteira, como cena de filme, ele lá sentado numa mesinha encardida limpando as facas, absurdo e perfeito, escuro e tenso, preparando armas infalíveis debaixo de uma lâmpada de luz azul. Com crueldade ele conduzia as mulheres pelo mesmo caminho, uma espécie de deslumbre doentio e, quando queria, as fazia sangrar com as facadas leves, elas amavam aquilo não sei como, elas deslizavam facilmente no próprio sangue até um abismo sem possibilidade de limites. Apaixonadas, caíam sozinhas e febris. Ele retornava desses momentos com ar satisfeito, sem risos ou comemorações, simplesmente satisfeito e pronto para novamente limpar as facas pontiagudas e desejadas por muitas em segredo. Um dia, de supetão, ele foi esfaqueado, literalmente esfaqueado, fiquei chocada com a situação pensando se minha metáfora o levara a este trágico fim: um atirador de facas possuído pelo desejo de vingar-se esfaqueou o homem forte dos argumentos perfeitos, a mulher retornou para o circo com a honra limpa e refeita, continuava casada e irremediavelmente castigada pelo peso daquela morte.
Laís Romero
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