segunda-feira, 29 de novembro de 2010

domingo, 28 de novembro de 2010

Na encruzilhada com Dante


Ontem à noite
Um cão paranóico me encostou na parede
E eu o ameacei com um pandeiro dizendo:

Se és realmente o cão, te brado daqui com toques do inferno
E assim, te faço cair feito Plutão...
...no sétimo círculo ao chão.


Fagão
desenho - Zorbba Igreja
a língua é um triste molusco
chora um pranto negro e escuro
molusco triste é essa língua
lembra e lambe sua dor fina.

dentro da boca, tal molusco
chora a falta do seu casco.
quer de volta o tempo justo,
voltar pra lenda do passado.

lenda velha, antes da boca
tinha concha e casa, escudo e força.
mas, num mistério da matéria,
perdeu a parte mais eterna.
se fez só língua e se desintegra.

a língua é um triste molusco.
já sem esperança, no escuro,
de reaver seu casco, ter futuro,
resigna-se com riso de chumbo.

como lhe resta ser mesmo língua,
linguagem, motor – sempre e ainda –
é, na boca, pá e palavra:
fala igual como quem cava.

cava com o corpo um liso assoalho:
chão de carnes gêmeas, molhado,
buscando, na cabeça, o antigo casco,
roupa e casa, escudo e agasalho.

a língua é um triste molusco.
já não sabe se é carne ou um soluço.
sem concha, se re-inventa no escuro.
sem cara, existe feito um espectro,
um susto, movimento, um obgesto.


Thiago E.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010


!!º Poesia Tarja Preta
Lançamento do CD “Veículo q.s.p.”
- quantidade suficiente para -


Academia Onírica + Durvalino Couto
+ banda Quarterão
+ Exposição de desenhos e fotografias dos Oníricos
e de seus Colaboradores
+ Documentário: “Sem Palavras” – Arnaldo Albuquerque –


Dia 2/12 no Canteiro de Obras
Entrada = R$ 7,00 + zine AO + CD
.

Documentário - Sem Palavras

Arnaldo Albuquerque

Sem Palavras é um documentário produzido pelo Coletivo Diagonal em parceria com o Núcleo de Quadrinhos do Piauí. O filme percorre fragmentos ainda existentes nas vozes de Cineas Santos, Durvalino Couto Filho, Alberti Piauhy, Paulo Machado, Maria Soledade, Bruno Leonardo e Antônio Amaral para registrar o panorama da cena underground teresinense na década de 70, tomando como foco inspirador o artista Arnaldo Albuquerque. Intencionalmente esquecido por alguns, respeitado e valorizado por outros, o filme se filia a segunda opção.

Resgatando um conjunto de memórias que localizam historicamente o papel desse artista, atuante no cinema super-8, ilustração, gravura, arte gráfica, artes plásticas, HQ’s, incentivador dos festivais de música autoral na cidade, happenings sangrentos na avenida Frei Serafim e muitas outras práticas culturais, o filme levanta nas suas entre-imagens o significado e importância de Arnaldo Albuquerque para a construção da cena artística teresinense e seus desdobramentos contemporâneos.

Longe dos estereótipos pós-torquateanos, mas contraditoriamente aderindo-se a ele, com ressalvas e devidas correções, Arnaldo Albuquerque continua vivo, ao seu modo...


Um vídeo de Bernardo Aurélio, Aristides Oliveira e Meire Fernandes.
Direção: Aristides Oliveira.
Roteiro: Aristides Oliveira.
Câmera: Aristides Oliveira e Bernardo Aurélio.
Direção de Arte: Meire Fernandes.
Edição: Denes Filho.
Realização: Coletivo Diagonal e Núcleo de Quadrinhos do Piauí.
Duração: 86’
Ano: 2009/2010.
Foto: Arianne Pirajá

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Jorge Mautner surpreende e canta com Validuaté no Festival Lusófono

Ele cantou a música “Super bonder” da banda piauiense
que homenageia o artista
foto: Yala Sena/Cidadeverde.com


O cantor e poeta Jorge Mautner, 69 anos, surpreendeu o público teresinense ao subir ao palco, antes do show, e cantar junto com a banda Validuaté no encerramento do Festival de Teatro Lusófono. Ele cantou a música “Super bonder” da banda piauiense que homenageia o artista com a letra “Ei mãe, quando eu crescer eu quero ser o Jorge Mautner”.

Com a letra da música na mão, Mautner acompanhou a banda e leu trechos acompanhado de Thiago e José Quaresma. Quando encerrou, ele disse: “Que bom retornar o Piauí após 10 anos. Esse Piauí da Serra da Capivara, de Sete Cidades, de Torquato Neto e agora desse maravilhoso grupo Harém”.

Após o show, Mautner disse que ficou emocionado com a homenagem e brincou: “Quando eu crescer quero ser o Jorge Mautner e a mãe deles vão dizer: o que é isso?”, disse rindo. “Essa garotada é genial. Eles são ótimos, excelentes” disse o cantor.
No show, Mautner cantou repertório desde o “Kaos ao revirão” com seu violino e ficou no Espaço Cultural Trilhos conversando com o público.


foto: Yala Sena/Cidadeverde.com

foto: Yala Sena/Cidadeverde.com

Filme

A vida de Jorge Mautner vai virar filme produzido pelo jornalista e apresentador Pedro Bial. O nome será “O filho do Holocausto”, baseado na autobiografia homônima do músico, e tem previsão de ser lançado em março de 2011.

“O filme se baseia em minhas memórias. Fala de shows e entrevistas. Está o máximo e Pedro Bial fez um trabalho extraordinário”, disse Mautner. O longa terá participação de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Terá músicas como o “Vampiro” (Caetano Veloso), “Maracatu atômico” (Gilberto Gil e Chico Science & Nação Zumbi), Cinco Bombas atômicas, Os Pais, Relógio quebrado.

Serra da Capivara

Mautner destacou os estudos feitos no Parque Nacional da Serra da Capivara para comprovar as origens do homem americano.

“O Piauí é uma imensidão como o coração dos piauienses. Há 10 anos fiz show aqui e de lá pra cá Teresina explodiu e a garotada está com tudo. O maior mistério está aqui. O Brasil metade é a Amazônia e a outra metade são os Cerrados. Já foi comprovado pela Academia de Ciências Mundial que o ser humano, nós, nascemos na Serra da Capivara”, disse.

Novo trabalho

O novo CD do músico terá a participação do maracatu Estrela de Ouro Aliança, de Nazaré da Mata (PE). Mautner disse que o trabalho tem o apoio do Pontão de Cultura de Nazaré da Mata com o mestre Duda.

“Ficou um trabalho lindo. Foi gravado ao vivo, ao ar livre e tivemos o máximo de cuidado na mixagem para ter um som autêntico e o mais contemporâneo e moderno maracatu”, disse.


Flash Yala Senayalasena@cidadeverde.com
http://www.cidadeverde.com/jorge-mautner-surpreende-e-canta-com-validuate-no-festival-lusofono-68447

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

constelação das águas turvas


na lascividade do território-carne
nos absorvemos no desejo inebriado

– trânsito nas costas-alamedas dentro da flecha de Eros –

nos perdemos no cinema, na angústia dos outros
acordamos enjoados, tontos
ou não dormimos
pensamos em quem descansa dentro da ventania
olhando o sol dissipar as águas turvas da madrugada

do outro lado da cidade antiga
nossos delírios se acomodam
entre o ronronado dos gatos e canto dos galos

por vezes nos encontramos em tempos furtivos
na varanda fugaz dos nossos peitos

– meteoros volúveis se cruzam no
parque de diversões de nossas bocas.


Demetrios Galvão
desenho - Zorbba Igreja

sábado, 20 de novembro de 2010

Sobre nuvens e sombras

Sobre Nuvens e Sombras- De Zorbba Igreja - Nanquin e aquarela sobre papel vagabundo, baseado em fatos reais, este trabalho foi o grande vencedor do troféu Himpocampo da 10ª Feira de Quadrinhos.


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

CD = poesia + música = Veículo q.s.p.

veículo q.s.p.
quantidade suficiente para

é uma fusão co-administração da poesia do grupo ACADEMIA ONÍRICA com a música da banda QUARTERÃO – indicado para o tratamento de qualquer efeito placebo, diz NÃO a toda prescrição manipuladora! – inibidor potente da flacidez do não-dito, do não-feito! – estudos adequados atestam sua eficácia pró-permanência de toda sorte de inspiração, sobretudo as inflamáveis – tais pesquisas também confirmam que a administração de VEÍCULO Q.S.P. concomitantemente com festa, diversão e fúria resultou em um considerável acúmulo de bem estar no paciente, ou melhor, no sujeito – embora estudos de interações com outras drogas não tenham sido realizados, tais combinações podem ser positivas: combatendo ânsia, angústia e medo – existem relatos de que POESIA TARJA PRETA é certeiramente indicada para exterminar, de modo sumário, algemas e o mais que com elas se pareçam – QUARTERÃO é adequado para catalisar o grito primata do homem solar, intermunicipal e provinciano, que se rebela contra as agruras da decrépita cidade frankstein – VEÍCULO Q.S.P. é bem tolerado – as reações adversas mais comumente observadas são reverberações no tempo – isto é, reações adversas, não – o espanto é poético, ou seja: foi, é e será uma QUANTIDADE SUFICIENTE PARA uma reação adverso +

terça-feira, 16 de novembro de 2010

imagem (desenho + foto) - Demetrios Galvão - 2010
desatino de nós


são tantos os desatinos e disparates
tal qual pregos que caem numa bandeja de metal
ensurdecida
ensandecida
por vezes tinindo
entrego o jogo
desato os nós deitada na grama
deitada na neve
com toneladas de devaneios sobre as sobrancelhas
a noite não me comove mais
e as luzes da manhã não despertaram ainda
piso devagar
divagando profana
mas os nós - todos nós - que criei
nós vamos sair dessa
nós não somos mais
todos eles desistiram
destruíram a colorida viagem
e me jogaram nas paragens
em frente a uma porta
que nunca vai se abrir.


Laís Romero
http://humanahumana.blogspot.com/
imagem (desenho + foto) - Demetrios Galvão - 2010
pelo manifesto do tempo

"da celebração, o momento em que o tempo deixa de ser uma sucessão e volta a ser o q foi e é originalmente : um presente em que o passado e o futuro por fim se reconciliam ... "
Octávio Paz.


(...) tempo tempo tempo mano velho
(...) e cadê os 15 minutos?

minha fisioterapeuta me disse
15 minutos diários de exercício faz bem para a saúde
e quanto tempo vc dá para ver seus desejos?
quanto tempo vc pára para ler seus desejos?
qto tempo?
qto feroz?
desses 15 minutos - vou distribuir 5 minutos para beijar
2 minutos para ler poemas
3 minutos para escrever cartas doces-salgadas-temperadas
2 minutos para desenhos figuras que não consigo decifrar
ainda me resta algum tempo para ser feliz?
se não sobrar - peneiro e crio : e invento-respiro
pq a criatura tá sendo observada pelo grande olho
pelo apático
pelo grande apático
quantos minutos ainda me sobraram?
já percebeu ? já vendeu o relógio?
já se livrou da bússola?
já? quando? ainda respirar pelo balão do oxigênio?
pimmmmmmmmm pommmmmmmm
ainda resta alguns segundos pra dizer:
eu te amo - te quero mamar.
ainda te resta quanto sombra e quanta vontade?
sem perceber a ternura - sem perder a guerrilha - sem perder - e sem balançar
sempre
balançar
arrastar as marés - segurar firme na vela - e dizer
agora tenho todo o tempo : está livre
como nos passados tempos remotos, glaciais, a começar do mundo
quando o caos e o tempo eram amantes
nesses dias
a cauda de todos os viventes se sucumbiam e se misturavam
na maldade da beleza dos mestiços
na santa tamanha beleza de bélem do pará
que ainda deitarei nas águas
das águas de mio
perê perê pára cará bará par pa rá
pará que me cai em rede - e da rede vou salgando todo o meu viver
e me misturo da areia que da areia somos tudos - beleza salgada
mistura - farofa - vassourinha - arrastando os dias - e deixando - o tempo -sempre - o
tempo todo torto.
belo.


Mardônio França (colaborador, Fortaleza - CE)
http://www.corsario.art.br/index.php
http://mitologiaspoeticas.blogspot.com/
http://www.youtube.com/revistacorsario

domingo, 14 de novembro de 2010

Se há risco
Em tamanhos abismos
E se não acordas
Rabisque em cimentos
As intenções da outra noite

Se ficares perdida sem voz
E entre vário medo
Tudo se tornará secreto
Decifre a si seus intentos
Ou apenas sua parte que é degredo

Os cortes que te reinventam
Dentro do que é cedo ou no que tarda
Não te despem das palavras
Nem acumulam no olho que goza
Fases que sejam eternas


Valadares
imagem (desenho + foto) - Demetrios Galvão - 2010
como quem desenha, ela penteia os cabelos antes de sair, olha fio a fio, tão distante que parece que seus cabelos viram um grande caminho dançarino que a leva a algum plano intocável por nós. ela desliza devagar e vai se perdendo de tudo, ou talvez vá se achando em tudo, em um tudo desconhecido dos outros, um tudo tão dela que pros outros é simplesmente nada. sinto falta dela aqui. de quando tirando os embaraços dos cabelos parecia tão sua e tinha um conforto coletivo nisso, era bom de se vê uma pessoa se deslizar por fios de cabelo, deslizar por seus fios e por um certo tempo permanecer lá. tenho certeza que ainda penteia os cabelos e os coloca em forma de coque, bem devagar, enrolando seus sonhos, suas história, seus pensamentos, bem devagar...

Renata Flávia (colaboradora)
imagem (colagem + foto) - Demetrios Galvão - 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Recado

...não deixeis que as engrenagens substituam teu cérebro
E que do todo tu te sintas: o pino, o parafuso, a peça fundamental das engrenagens da máquina Da máquina que trucida teu corpo, teu espirito E te reduz, de gente, a indigente massa inerte, que não reclama por ser a quota parte servida nos banquetes dos canibais que festejam a ordem e o progresso, ou nem mesmo reclama por ser o quimo do processo digestório antropofágico desta tal civilização...

A MixMac'Geração

...e de onde vieram essas raizes?
Cresceram
Se conheceram
Se entrelaçaram
Se "funderam"
E geraram
A geração no action
A geração Mac'pato

A MixMac'geração

Tio patinhas, quanto vale essa moe(r)da?

Kilito Trindade
a carta ao jovem poeta


A carta amarelecida guardada com preferência inclusive à revelia de livros e tratados, era um sinal daquele tempo... Uma espécie de ponte para outro lugar e para outro tempo... Cotidianamente, com calma e cautela, ele revirava o velho baú onde a carta estava jogada – mas por que no baú? A resposta era simples, porque ali era o lugar, desde menino, que guardava todos os tesouros descobertos: as jóias da coroa, lentilhas, uvas-passas, pólen, sinetes, guizos de bufões, selos, armas emperradas, cadeados oxidados, lanternas, ostras, redes de pesca, quadros de Goya, frascos de perfumes, odores de anjos, peles de cobras e, mais ao canto, protegido por uma fina tela esgarçada, assomos e gostos de virações marinhas... A carta estava lá... Para abri-la, há vinte e cinco anos o gesto era o mesmo: rasgava no fundo do olho uma fenda por onde escorria uma lágrima dourada... Depois, cheirava delicadamente o papel azul, lia ternamente, seguindo a leitura com a ponta do dedo... Após a leitura, um poema lancinante nascia do fundo abissal daquelas palavras... Ao fim e ao cabo, assinava: Raine Maria Rilke... E o poema e a carta, num mesmo som e num mesmo embalo, pareciam cada uma parte do outro, como o sal do mar, a areia do deserto...

Francisco Denis Melo (colaborador, Sobral-CE)
foto - Demetrios Galvão - 2008

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Manhã


Na manhã reconheço a brisa que há muito não sentia;
Complacente com o estalar da roupa na pia do quintal vizinho,
Água no fogo para fazer café,
Um pedaço do céu sobre meu quintal rodeado de casas de tribos diversas,
Vento nas folhas do pé de manga como um chocalho gigante,
Pardais que vez enquanto visitam-me próximo à porta da cozinha.
E repito nos muros: Os carambolos dizem sim em menção aos dias!

A alvorada lateja sutil na minha fronte
E eu vivo manhã,
vivo toda manhã de sol ardente na minha pele dormida.

E assim a geometria dos espaços se configuram; manhã, tarde, noite cêdo
Pra na hora em que a areia toda em meus pés
Eu virar de ponta cabeça pra contar o tempo outra vez; Nova manhã de novo!


Fagão
nankin sobre papel - 2010
Demetrios Galvão
Intempéries
p/ Frida


Para quando, na face,
O sorriso ausente verte-se em lágrima cadente.
Quando nascera, crescera deveras.
E o mundo fez-se minúsculo dentro dos ossos que apertavam
Na carne
Quis um foguete para partir.
Como não tivesse, fabricava quadros.


Katiusha de Moraes (colaboradora, Fortaleza – CE)
(poema do livro Fabrica de Asas, 2009)
http://fabricadeasas.blogspot.com/
foto - Demetrios Galvão - 2008

tudo feito em casa

--------- >>>>>>> No mês de novembro o blog será povoado por imagens feitas pelos oníricos e seus colaboradores, serão fotografias, desenhos e colagens que irão compor juntamente com os poemas as tramas virtuais do blog e que ao final do mês serão expostas na !!ª Poesia Tarja Preta.

sábado, 6 de novembro de 2010

O homem e outros bichos do bestiário de Dobal

BESTIÁRIO
(H. Dobal)

O homem e os outros bichos que passeiam
neste campo de cinza te perseguem.
E após tantos verões sua presença
ainda se guarda em ti como na infância.

E em ti se faz antiga esta lembrança
do descuidado andar nestas veredas
de gado. Mas outra vez nos tabuleiros
de abril teu cavalim de carnaúba
estradando no ar campeia ovelhas.
Vence os campos de outrora e as miunças
soltas do seu passado te restauram

em teu tempo. Teu tempo consequente
neste imenso curral em que te amansas
triste e só campeador de lembranças.



Talvez os versos de “Bestiário” possam ser apontados como um poema-síntese da primeira parte de O Tempo Consequente, o fundamental livro de estreia do poeta piauiense H. Dobal (1927-2008), editado em 1966. Neles, encontramos mais que os títulos da obra e sua primeira parte, “Campo de cinza” [“Teu tempo consequente, neste campo de cinza”], mas a apresentação de seus principais temas. O interlocutor do poema pode ser entendido como o próprio poeta, funcionando então “Bestiário” como uma espécie de poética para “Campo de Cinza”. Ali se delimita consideravelmente grande parte da temática da referida obra.

É notório que o poeta não tenha escrito “o homem e outros bichos esquecidos”, como se referia ao final do poema imediatamente anterior, “Réquiem”, mas ao “homem e outros bichos que passeiam”, pois encontram-se, neste momento, povoando as lembranças de um “menino crescido” que em si restaura um tempo consequente. Um ambiente idílico se reconstrói, justaposto à miséria que os versos iniciais inferem ao, inevitavelmente, evocar o já mencionado poema “Réquiem”. Um menino que campeia nuvens [ovelhas] em um cavalinho de carnaúba. Mesmo quando permeia o onírico, Dobal mantém a inconfundível e admirável rusticidade que retransforma a lembrança-sonho do “menino crescido”, em que se campeia ovelhas pelo céu em um menino que olha para as nuvens, naquele abril, breve intervalo dos verões, dos outubros, onde jaz o homem [e outros bichos], como se o sonho, o céu, [este imenso curral] lhe amansasse, como se ali existissem as “lendas tramadas pelo inverno” a que refere o poema “Campo Maior”. Porém, as nuvens não são mais que lembranças, estas que no Piauí, costumam ser passageiras e poucas águas trazem.

Uma definição para o eu lírico dobalino: triste e só, somente um campeador de lembranças, estas que tresmalharam num campo bem maior que os tabuleiros de carnaubais, o próprio tempo que reduz tudo a cinzas, revelando a existência minguada de um ser esfacelado que busca sobreviver, e nisso não difere de nenhum outro bicho que habita essas chapadas corcoveadas de cupins, onde o capim agreste não dá sustança e o gado magro mal se mantém. Uma simbiose homem-bicho, zoomorfização típica desta primeira parte de O Tempo Consequente, apresenta-se desde o título do poema em questão: “Bestiário”.

A estrutura de “Bestiário” assemelha-se a um soneto recomposto. Um possível segundo quarteto funde-se a um possível primeiro terceto, numa única estrofe de 7 versos. Na poética dobalina, a apropriação muito particular de formas poéticas tradicionais, ganhando em sua obra uma feição própria, é um aspecto observável em diversos poemas, como “Introdução e Rondó sem Capricho”, no qual Dobal utiliza dois padrões de uma forma poética, o rondó português e o rondó francês, reestruturando assim os dois modelos em um só. Se o poeta buscou realizar alguma correlação com a estrutura típica do soneto italiano permanecerá matéria obscura, mas é curioso que “Réquiem”, apresente justamente 14 versos divididos em três estrofes de 4, 7 e 3 versos, predominantemente decassílabos, e que as licenças poéticas sejam encontradas apenas em 3 versos da estrofe que, em teoria, estaria reunindo o segundo quarteto com o primeiro terceto da configuração tradicional de um soneto.

Mas o que seria esse Bestiário de H. Dobal? Remetendo aos mosteiros da idade média, Bestiário é um tipo de literatura descritiva do mundo animal acompanhado de mensagens moralizadoras, reunindo informações sobre animais reais e fantásticos. Entretanto, a significação óbvia seria associar bestiário a besta, animal de carga, de onde teríamos o adjetivo bestial. Porém, a leitura de poesia sempre nos permite alguma fuga. Estilisticamente, é um recurso típico de Dobal a justaposição de termos, como se substituíssem um ao outro ou se fundissem em uma única ideia a ser expressa por elementos que não estariam necessariamente correlacionados, mas quando evocados lado a lado, causam estranhamento, situação tão cara à poesia, tanto sintática quanto semanticamente. Nisso reside boa parte da dicção própria do poeta. Então, poderia um antigo Bestiário monástico transfigurar-se agora no catálogo desses bichos esquecidos, incluindo sobretudo o homem, evocados agora nos verbetes das lembranças campeadas em um imenso curral onde te amansas?



[publicado no Jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 19 de outubro de 2010]

Adriano Lobão Aragão (colaborador)

Ágora da Taba
adrianolobao.blogspot.com
dEsEnrEdoS - uma revista de cultura e literatura
www.desenredos.com.br

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Nau-Frágil Ancorou Na 10ª Poesia Tarja Preta


Para muitos Ana Cristina César é uma poeta desconhecida. Ela não é uma figura pop e nem tem uma escrita subornada. Seus poemas falam por ela, mesmo depois de deixar a vida em uma rasante tentando “ancorar um navio no espaço”.

A 10ª Poesia Tarja Preta resgatou a nau-frágil do fundo do céu turvo em uma correspondência trans-dimensional. A noite criada pra Ana foi composta por uma tapeçaria leve e densa, com imagens da casa subjetiva do artista plástico Tupy, as sonoridades de estranhos objetos em delay, com depoimentos sobre a poeta através do programa “Entrelinhas” e com o documentário “A Revolução dos Pirulitos”.

O terreiro do Orbital Canteiro de Obras tem produzido sua existência por associações e conexões entre artistas e amigos, bem como por artistas-amigos. A todo mês um intercâmbio de artes, um diálogo entre linguagens distintas que duram a noite toda, provocando os expectadores, instigando conversas, incitando encontros, sorrisos e tilintares de copos... o lançamento do documentário que tem o poeta Chiquinho Garra como seu personagem principal foi uma lição de como se pode adoçar a vida e a existência com ações simples. Parabéns ao Coletivo Diagonal – Aristides Oliveira e Meire Fernandes – pelo trabalho realizado. E agradecemos ao artista plástico Cícero Manoel e ao poeta Adriano Lobão, pelo material doado para sorteio que ocorreu no decorrer da noite – novas parcerias, mais pessoas conspirando junto com os Oníricos.

Já era noite adentro quando Ana Cristina César salta do seu apê e aterrissa no corpo de Emanuelle Chaves, linda apresentação. Ana aparecia entre o sorriso tímido e a voz firme de Manu quando dizia: “Ana foi a própria encarnação da modernidade. Soube ser feminina sem ser feminista, sem estar ideologicamente presa a nada. Talvez por isso, tenha morrido cedo, fazendo sobre nossa terra uma passagem permanente. O lugar que ocupa como poeta é na linha do horizonte - virtual e veloz.”

Os poemas recitados pelos Oníricos (Laís, Valadares, Kilito, Demetrios, Thiago) se enroscavam nas bases feitas por acordes de guitarras e os sons tirados de serrotes, martelo, pá de pedreiro, tampas, lixas, garrafas, “instrumentos” não convencionais que produziram uma semântica sem gramática. Nas texturas alinhavadas por palavras e sonoridades, os poetas seguiram Ana em uma viagem por seus andaimes, abismos, correspondências, varandas iluminadas e se perderam em seu corpo.

Havia uma invenção que desatava a noite, havia sorrisos e satisfações que reinventavam Ana, havia um conforto poético que produziu o recital para além das poesias, havia um feitiço, uma magia que desenhou a calmaria ----- A noite queimou silenciosa.

Demetrios Galvão

Emanuelle Chaves

Kilito Trindade

Valadares

Laís Romero + Thiago E.
Laís Romero

Thiago E.

Demetrios Galvão

Filipe Raiz


# todas as fotos por Kátia Barbosa #

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Impressões do 10º Encontro Tarja Preta - Noite Ana Cristina César

A noite foi calma. As pessoas concentradas. Olhos atentos e mãos pousadas nas mesas. Ana Cristina César estava lá. De início o documentário A Revolução dos Pirulitos trouxe a simplicidade e crueza da vida de Chiquinho Garra, que também estava lá, e apresentou-se com entusiasmo e orgulho de ter sido homenageado no evento. Logo após foi exibido um curto documentário sobre Ana Cristina César, do programa Entrelinhas, capturado para a ocasião.

Abrindo a noite, e ecoando por todo o Canteiro de Obras, Emanuele Chaves trouxe uma doce apresentação: encantada de risos e intensidade, entrelaçando-se com poemas e melodias vindas não-se-sabe-de-onde. As artes de Tupy trespassavam os olhos de todos ali presentes enquanto que os Oníricos apareciam de todas as partes, Ana Cristina César entalada no peito, rasgando as vozes, sussurrando garganta abaixo... ela estava lá. Logo o público atento se torna atração, trazem poemas ditados na hora, gritos guardados desde o mês passado, poemas em embolada, palavras, fatos, desejos... A música surgiu enfim, sem combinados ou ensaiados, eles invadiram e cantaram noite adentro... A noite Ana Cristina César trouxe poesia aos poetas, tão difícil quanto ancorar um navio no espaço.

Laís Romero


Academia Onírica: Demétrios Galvão, Kilito Trindade, Laís Romero e Valadares + participações: Chiquinho Garra, Emanuelle Chaves, Thalita Ciana, Chakal,
Adriana Galvão, George, Guto, Sheldon, Retana Blanche, Zorbba Igreja, ..............
Abertura da Noite: Emanuelle Chaves
Exposição: Tupy
Documentários: Entrelinhas Ana Cristina César,
A revolução dos Pirulitos -- direção de Aristides Oliveira
Sonoridades: Thiago E. e Demetrios Galvão
Fotografias: Kátia Barbosa
Parceiros:
Canteiro de Obras, Revista Trimera, fotógrafa Kátia Barbosa, Estúdio Totte,
Pontão de Cultura Preto Ghoez Vive e ponto de cultura Nos Trilhos do Teatro

Chiquinho Garra

Emanuelle Chaves

Emanuelle Chaves + Demetrios Galvão + Thiago E. + Kilito trindade

Valadares

Kilito Trindade

Laís Romero

Demetrios Galvão + Thiago E.

Thiago E.

Chakal Pedreira

Guto

Adriana Galvão

Geórge

Thalita Ciana

Narciso


Kátia Barbosa + Demetrios Galvão + Thiago E.




Sheldon

Renata Blanche

Zorbba Igreja

# todas as fotos por Kátia Barbosa #